quarta-feira, 28 de maio de 2014

[Opinião +D] Uma lição "participativa" das Eleições Europeias

Os resultados das eleições europeias do passado fim-de-semana, mais que representarem uma catástrofe eleitoral para o Governo ou um desempenho sub-standard para o PS e para a Esquerda em geral, assume outro significado, bem mais importante e grave: os resultados exprimem uma grave crise - europeia e nacional - da Democracia Representativa.

O afastamento crescente entre o mundo da palavra (em campanha) e o da obra (em governo), a lentidão e ineficácia da Justiça em combater e dissuadir a Corrupção, a lógica autofágica e centrípeta dos aparelhos
e como estes ocuparam quase todo o espaço dentro dos partidos, levaram a criar na maioria dos cidadãos a dupla convicção de que:
1. O seu voto é ineficaz, porque não muda nada
2. O seu voto é ineficaz, porque as promessas eleitorais nunca são respeitadas.

Este duplo bloqueio ao voto (em que ambos os factores mutuamente se reforçam) é o responsável pelos altos níveis de abstenção que se registaram em praticamente toda a União Europeia.

Um problema tão extenso, grave e profundo não tem uma solução rápida ou fácil. Resulta de uma confluência de factores que têm décadas de História e que hoje se traduzem num nó que não será fácil de desatar.
Nos países onde não há uma memória recente de uma ditadura de Direita (Espanha e Portugal), a deriva para a Extrema Direita é natural e tem uma escala difícil de antever. Nos demais, o protesto canaliza-se para popularismos ou fenómenos transitórios (como sucede em Portugal).

Estes resultados de altos níveis de abstenção, reforçados com grandes derrotas para praticamente todos os governos são bem mais do que avisos à navegação da União Europeia: são sinais de um afastamento radical entre a eurocracia e a os cidadãos do continente. Dados estes sinais, dado o seu reforço continuado e crescente, seria de esperar que os responsáveis pela condução política da Europa estivessem a trabalhar para devolver a Europa aos seus cidadãos, resgatando-a das garras dos Grandes Interesses financeiros que a sequestraram e que lhe impuseram o dogma da austeridade "custe o que custar". E contudo, não há sinais de que tal revolução esteja a ocorrer ou que esteja, pelo menos, a ser preparada nos bastidores.

A Democracia Representativa está esgotada: a convicção dos cidadãos de que o seu voto conta realmente é praticamente nula, numa Europa onde os cargos mais importantes e as decisões mais essenciais são tomadas em salas fechadas, longe do escrutínio ou influência dos cidadãos e, sobretudo, de forma não democrática e adversa a referendos ou iniciativas cidadãs. Com efeito, esta Europa que hoje nos rege (e que
responde diretamente por 60% da legislação nacional) tem muito pouco de democrática... é assim natural que isto leve ao afastamento dos cidadãos e, logo, a altos níveis de abstenção e de descontentamento quanto aos partidos de governo que alinham pelas políticas "europeias".

Esta Europa só pode ser salva fazendo regressar a ela os seus cidadãos. E este regresso tem que ser feito através do reforço da democracia nos órgãos e instituições europeias, do papel do Parlamento Europeu e dos Parlamentos nacionais sobre a Comissão Europeia, e, sobretudo, através de um reforço decidido e radical nas ferramentas de democracia participativa: iniciativas cidadãs, referendos de normas e mandatos e estabelecendo o voto preferencial em todos os mandatos europeus.

Rui Martins (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina.

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