segunda-feira, 5 de maio de 2014

[Opinião +D] Spínola e Vasco Graça Moura

1. Li na edição do Jornal “Público” de 27 de Abril de 2014 uma extensa evocação do General António de Spínola, assinada por Manuel Carvalho, sobretudo da sua acção no pós-25 de Abril de 1974. Qualificado como “o ‘De Gaulle’ português, que destapou com um livro a tampa de um regime caduco [“Portugal e o Futuro”, publicado em Fevereiro de 1974], que foi o primeiro Presidente do novo regime, que tentou a todo o custo evitar uma descolonização feita à medida dos interesses soviéticos e que lutou com a ascendência do PCP [Partido Comunista Português] e da extrema-esquerda no seio do MFA [Movimento das Forças Armadas]”, o retrato que dele fica é, em última instância, o de um personagem trágico.
Talvez ninguém mais do que ele pudesse dizer: “Sabe-se como se começa uma revolução; não se sabe como se acaba”. No caso da Revolução de 25 de Abril de 1974, pretendeu Spínola fazer dela o princípio de uma solução “federalista” para os países de língua portuguesa, uma espécie de “terceira via” entre a insustentável manutenção do Império colonial e o abandono que se verificou das ex-colónias, com as trágicas consequências que se conhecem: às guerras que a descolonização pretendia acabar sucederam guerras civis ainda mais fratricidas; tendo-se acabado com o regime do Estado Novo, criaram-se em todos esses países regimes de partido único…
Talvez não fosse de facto então possível essa “terceira via”. Estava-se em plena Guerra Fria. Entre os Impérios Americano e Soviético, o destino de Portugal e, sobretudo, dos países que se tornaram então independentes foi apenas mais um “dano colateral” – nada de realmente importante para os “senhores do mundo”. Mas isso só reforça o carácter trágico deste personagem. Talvez ele no fundo soubesse que estava condenado ao fracasso. Mas, ainda assim, tentou essa “terceira via”. Por mais extravagantes que fossem os seus planos – na peça jornalística, descreve-se inclusive a tentativa de uma incursão militar a partir do Brasil, onde Spínola chegou a estar exilado –, não posso deixar de me curvar perante a memória deste homem que veio a falecer no dia 13 de Agosto de 1996.
2. Nesse mesmo dia de 27 de Abril de 2014 é dada a já esperada notícia do falecimento de Vasco Graça Moura. Outros falarão daquilo que se tornou entretanto consensual: a qualidade maior da sua obra literária, sobretudo enquanto poeta e tradutor. Pela minha parte, destaco aquilo que nunca se tornou consensual: não, como poderiam alguns supor, o seu trajecto político-partidário, que fez deleum dos mais ostensivos defensores do actual Presidente da República. Esse é um assunto objectivamente menor.
Falo aqui de um outro assunto só aparentemente menor: a sua recusa, não menos ostensiva, em pertencer à “tribo dos pessoanos”. Numa altura em que Pessoa se torna, cada vez mais, num espelho em que todos, quase sem excepção, se dizem reconhecer (no mesmo jornal, na edição de 9 de Abril, anunciava-se com grande pompa a descoberta de um Pessoa “anti-monárquico”, que devemos, decerto, juntar ao “republicano sidonista”, “pró-Estado Novo”, “anti-salazarista”, “liberal conservador”, “anti-democrata”, “monárquico parlamentarista”, “cristão gnóstico”, “neo-pagão”, “budista”, “ateu”, etc.), é saudável aparecer alguém que recuse participar nesse baile de máscaras. Graça Moura não participou. Palmas por isso.
Renato Epifânio (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina. 

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