1. Li na edição do Jornal “Público” de 27 de Abril de 2014 uma extensa evocação do General António de Spínola, assinada por Manuel Carvalho, sobretudo da sua acção no pós-25 de Abril de 1974. Qualificado como “o ‘De Gaulle’ português, que destapou com um livro a tampa de um regime caduco [“Portugal e o Futuro”, publicado em Fevereiro de 1974], que foi o primeiro Presidente do novo regime, que tentou a todo o custo evitar uma descolonização feita à medida dos interesses soviéticos e que lutou com a ascendência do PCP [Partido Comunista Português] e da extrema-esquerda no seio do MFA [Movimento das Forças Armadas]”, o retrato que dele fica é, em última instância, o de um personagem trágico.
Talvez ninguém mais do que ele pudesse dizer: “Sabe-se como se começa uma revolução; não se sabe como se acaba”. No caso da Revolução de 25 de Abril de 1974, pretendeu Spínola fazer dela o princípio de uma solução “federalista” para os países de língua portuguesa, uma espécie de “terceira via” entre a insustentável manutenção do Império colonial e o abandono que se verificou das ex-colónias, com as trágicas consequências que se conhecem: às guerras que a descolonização pretendia acabar sucederam guerras civis ainda mais fratricidas; tendo-se acabado com o regime do Estado Novo, criaram-se em todos esses países regimes de partido único…
Talvez não fosse de facto então possível essa “terceira via”. Estava-se em plena Guerra Fria. Entre os Impérios Americano e Soviético, o destino de Portugal e, sobretudo, dos países que se tornaram então independentes foi apenas mais um “dano colateral” – nada de realmente importante para os “senhores do mundo”. Mas isso só reforça o carácter trágico deste personagem. Talvez ele no fundo soubesse que estava condenado ao fracasso. Mas, ainda assim, tentou essa “terceira via”. Por mais extravagantes que fossem os seus planos – na peça jornalística, descreve-se inclusive a tentativa de uma incursão militar a partir do Brasil, onde Spínola chegou a estar exilado –, não posso deixar de me curvar perante a memória deste homem que veio a falecer no dia 13 de Agosto de 1996.
2. Nesse mesmo dia de 27 de Abril de 2014 é dada a já esperada notícia do falecimento de Vasco Graça Moura. Outros falarão daquilo que se tornou entretanto consensual: a qualidade maior da sua obra literária, sobretudo enquanto poeta e tradutor. Pela minha parte, destaco aquilo que nunca se tornou consensual: não, como poderiam alguns supor, o seu trajecto político-partidário, que fez deleum dos mais ostensivos defensores do actual Presidente da República. Esse é um assunto objectivamente menor.
Falo aqui de um outro assunto só aparentemente menor: a sua recusa, não menos ostensiva, em pertencer à “tribo dos pessoanos”. Numa altura em que Pessoa se torna, cada vez mais, num espelho em que todos, quase sem excepção, se dizem reconhecer (no mesmo jornal, na edição de 9 de Abril, anunciava-se com grande pompa a descoberta de um Pessoa “anti-monárquico”, que devemos, decerto, juntar ao “republicano sidonista”, “pró-Estado Novo”, “anti-salazarista”, “liberal conservador”, “anti-democrata”, “monárquico parlamentarista”, “cristão gnóstico”, “neo-pagão”, “budista”, “ateu”, etc.), é saudável aparecer alguém que recuse participar nesse baile de máscaras. Graça Moura não participou. Palmas por isso.
Renato Epifânio (membro da Coordenação Nacional do +D)
Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina.
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