Não, não vou a reboque dos “Homens da Luta”, mas que eles têm uma certa razão
de que o ensino vai mal, lá isso
têm razão!
Falo, neste caso, das lutas estudantis para um ensino superior universal e
gratuito. Esta luta hereditária da geração de 60 é constante e desconcertante para alunos e
sucessivos governos.
Mas primeiro um pouco de história.
Primeiras menções a manifestações
As primeiras manifestações de estudantes de que se tem notícia, num contexto social são, confinadas à cidade de
Coimbra, em 1861, não só pelo facto que durante séculos Portugal só tinha uma
Universidade, mas também devido à taxa de analfabetismo e pouca frequência
escolar nos quatro anos existentes. Esta cidade era o local, por excelência,
onde se formavam futuras personalidades do poder político português. A Sociedade o Raio
(1861-1864), mais
tarde chamada Rolinada(1864), é uma referência
no meio estudantil de Coimbra de então para um associativismo estudantil e contestatário, onde se
destaca a luta contra o Reitor Basílio Alberto com a sua reforma de
ciência e costumes estudantis. Esta Sociedade lança um
manifesto-proclamação redigido por Antero de Quental que é assinado por metade dos estudantes.
Voltamos a ouvir falar de manifestações dos estudantes em 1907, com a greve
geral académica que se vê incapaz de contestar as estratégias mais
conservadoras, mas que lhe confere uma dimensão nacional tendo alcançado
ligação a Liceus e escolas superiores então formadas. Também ganharam uma tendência para suscitar a
alteração das políticas
governamentais para a educação pública, pela primeira vez, em particular para a
universitária.
Mais tarde em 1910, Coimbra assiste a várias escaramuças devido à Revolução
Republicana, mas que traz alguma igualdade entre professores e alunos, pois
Manuel Arriaga, recém-empossado reitor, sem qualquer insígnia universitária, anuncia a
facultatividade da capa e batina em cerimónias universitárias. Para além de uma contestação em prol
de uma igualdade e representação, que veio a falhar, dentro dos órgãos da universidade,
as movimentações estudantis também tinham uma segunda tendência que era suscitar nas políticas governamentais
um ensino público,
em especial o ensino superior. Claro está para todos que, esta cidade
tinha, e ainda hoje tem,
uma terceira tendência
que é puramente politica.
“Sua Ex.ª, Senhor Presidente da República, dá-me
licença que use da palavra”
Passaram-se cerca de cinquenta anos e alguma instabilidade político-económica no
país, duas guerras mundiais e a visão que tenho é que há um retrocesso no
que diz respeito à então chamada “Democratização do Ensino Superior”, pois
Salazar ficou quarenta anos no poder e proibiu o direito à reunião e à
liberdade de imprensa, embora as Associações de Estudantes passassem um pouco à
margem dessas leis. Em 1944,
a eleição de Salgado Zenha,
que foi eleito em assembleia geral de alunos, deu alguma esperança ao espírito estudantil e durou dez anos. Mas, como era de se esperar, nos anos seguintes
círculos mais conservadores se seguiram e recuaram nestas regalias. Em 1956 o Governo
elabora o decreto-lei 40 900, que instituía uma normativa semelhante à que vigora no mundo
sindical para regulamentar
o meio das Associações de Estudantes e, assim, pôr a eleição das mesmas sob o
controlo do Estado. Embora a normativa não tenha sido aprovada, graças ao
bloqueio estudantil, o Governo consegue a sua afirmação com o decreto 44 632 adotado depois da crise
académica de 1962. Porém, a sua aplicação prática era motivo de polémica entre as
autoridades e estudantes, pairando sempre como uma ameaça. É nesse mesmo ano
que as comemorações do Encontro
Nacional do Estudante (na época celebradas a 9 de março), são proibidas por se pensar na época,
que do corporativismo estudantil, que defende um lugar próprio para as
associações de estudantes, a um sindicalismo estudantil, ser um pequeno passo.
O Governo ordena à reitoria de então que seja feito um processo disciplinar
contra os dirigentes da AAC e manda encerrar as suas instalações. Devido a este
ato é decretado o «luto académico» e a AAC cessa a sua atividade. Com estas
atitudes por parte do Governo os estudantes de Lisboa, indignados, não ficam
parados. Como represália as autoridades proíbem as comemorações do dia do
estudante que teria lugar de 24 a 26 de março do mesmo ano. Na manhã de 24,
estudantes foram espancados e presos, instalações universitárias sitiadas e
cantinas ocupadas. Muitos professores e parte das autoridades universitárias
reagem, como o próprio diretor da Faculdade de Direito que impede a detenção de
estudantes nas suas instalações. O Reitor da recém inaugurada Universidade de
Lisboa chega mesmo a negociar com o ministro do interior a retirada das forças
policiais. É por esta perseguição do Estado Novo que ainda hoje se
celebra o dia nacional do estudante a 24 de março.
António Salazar é substituído por Marcelo Caetano em 68, e, apesar das camadas
sociais menos favorecidas pensarem que daí advinha uma “primavera” de abertura política (a “primavera
marcelista”), Marcelo continua as políticas repressivas do seu antecessor o que poderá ter
dificultado a marcha do plano universitário. É no ano letivo de 1968-69 que se afirmam as divergências
políticas com o
regime autoritário marcelista de uma forma mais aberta, mais concretamente na
inauguração do edifício das Matemáticas, a 17 de Abril de 1969, na presença do
Chefe de Estado Américo Tomás e do seu ministro da educação José Hermano Saraiva,
com Alberto Martins, presidente da AAC, a pedir a palavra quando isso não
estava programado. Esta atitude é tomada, pelo regime, como algo irreverente e inadmissível quando
apenas deveria ter sido concedido, pois era um direito que lhe assistia, como representante dos
estudantes. A surdez do Estado Novo a pedidos de mudanças de políticas educativas e
uma renovação do sistema universitário passaram pela expulsão de
professores e alunos chegando mesmo a perseguição pela PIDE a Alberto Martins e
prisões com direito a tortura a alguns dos seus pares. No fundo, Coimbra torna-se um campo de batalha e de politização onde
perde a conotação elitista, que tinha até então, alargando-se a classes mais
desfavorecidas e também começa a abrir mais ainda as suas portas a núcleos
femininos. É de notar o dinamismo, a participação, a resistência aos modelos
autoritários contestados pelos estudantes que nos dias de hoje não se nota.
Tudo isto teve o seu auge em 1971 sobe a grande influência dos ecos do chamado “Maio de 68“, em
Paris, o qual faz tender para um tipo de ativismo político que quer o fim da guerra colonial, o
aniquilamento do regime e da sua forma de economia.
Uma primavera de cravos com esperanças
A revolução dos cravos vem efetivar todas estas lutas estudantis de uma
forma rápida e profunda, com a exceção do ensino superior público devido à falta de consenso
inter-universitário, e onde os movimentos estudantis ganham grandes capacidades
emulativas e emancipatórias. Os direitos de reunião, informação e liberdade de
imprensa são repostos nesta jovem democracia. As próprias universidades ou
escolas são democratizadas uma vez que a sua representação passa a existir não
só nas Associações de Estudantes, mas também em órgãos como os conselhos científicos, pedagógicos
e diretivos.
As lutas anti-propinas destacam-se no pós “25 de abril” com três períodos
distintos: um
decorrente do “biénio revolucionário” (1974-75, que pouca matéria se tem para
explanar devido a pouca investigação), o segundo foi o da institucionalização
da chamada “Lei Cardia” até à Lei de Bases do Sistema Educativo (1976-1986) e
por último um
terceiro com as lutas anti-propinas (1986-1992).
Graças a conhecer pessoas que passaram diretamente pelo primeiro período
aqui mencionado, pude constatar que a ingovernabilidade imperava nas
universidades com as greves, as R.G.A.’s (reuniões gerais de Alunos) e todos os
tipos de protestos. Era necessário também uma restruturação do sistema
universitário, que foi feito em constantes R.G.A.’s, a nível de conteúdos. Num
caso muito concreto os alunos de arquitetura da antiga ESBAL quiseram que o seu
curso tivesse mais conteúdos técnicos o que levou, mais tarde, à saída deste
curso da própria ESBAL de Universidade Clássica e a passar para o IST (Instituto Superior Técnico) e
assim se manteve até há uma ano atrás, o que prova que o enquadramento das universidades era
para os alunos de então um
fator importante. Nesta altura pagava-se 70$00 de propinas (em relação ao curso de
arquitetura), para um ordenado médio de 1 800$00 o que representava cerca de 4
% de um ordenado médio português o que era quase “residual”. Hoje um ordenado
médio ronda os 700€ / 800€ e as propinas rondam os 300 a 400€.
Este “biénio revolucionário” também conduziu a saneamento de professores em
R.G.A.’s com a “legitimidade revolucionária” que, na época, pautava as
dinâmicas do pós-revolução.
O segundo período, iniciado a 25 de novembro de 1975, é o período do “Decreto de
Gestão” de Sottomayor
Cardia, em que eram substituídos os órgãos de “gestão democrática” por organismos de carácter associativo, com
forças partidárias na retaguarda, a comandá-las.
Em 1977, apesar da contestação, são readmitidos professores que tinham sido
saneados dos seus postos de trabalho na Faculdade de Ciências da Universidade
de Coimbra, chegando mesmo a encerrar a Universidade. Ao que pude apurar, esta
contenda só teve resolução depois de um referendo domiciliário sobre a reabertura da Universidade de
Coimbra promovido pelo Ministério da Educação e que para uma ala mais
esquerdista foi o estilhaçar do movimento estudantil.
Paralelamente, como já referi, houve mudanças profundas nos currículos que por sua vez geraram
um aumento de matrículas
nas universidades, mais do dobro, o que provocou um estrangulamento do ensino
superior e por consequência nas saídas profissionais o que resultou num aumento da
insatisfação estudantil. A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), em 1986,
veio agudizar ainda
mais a insatisfação dos universitários devido à implantação de medidas que barravam e ainda
barram a entrada nas universidades públicas de alunos que são desfavorecidos, só podendo recorrer
às universidades privadas. Com todos estes reboliços e uma profunda crise
financeira na década
de 1980 acabaria por se
reequacionar a questão das propinas, que na década seguinte veio a ser uma
realidade dura. Mas sobre
isso escreverei mais tarde, pois o texto já vai longo.
Agradecimentos: Arq. Mestre
Carlos Perry, ex-Sócio Fundador da Associação Académica da E.S.B.A.L. (pela
entrevista telefónica
que me ajudou muito
na elaboração do texto)
Ricardo Trindade Carvalhosa (membro da Coordenação Nacional do +D)
Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina.