domingo, 5 de maio de 2013

[Opinião +D] A doença tem origem na cabeça

A DOENÇA TEM ORIGEM NA CABEÇA

O tema foi a democracia directa e aquela meia centena de ouvintes espalhados pelo auditório onde entrei, ouviam o mesmo que eu. Boa parte tinha um ar deslumbrado.
A boa parte, a idade não lhes permitiu viver de perto com o que ali era apresentado como factos: aquele período da história dos últimos quarenta anos de Portugal em que as pessoas se juntaram com frequência à volta de um problema, discutiam, debatiam até ao absurdo, zangavam-se, intrigavam ou limpavam vilões com a velocidade que o momento permitia e por fim, alguns tomavam as rédeas do fazer.
Foi assim que aconteceram escolas para centenas que as não teriam de outra forma. Aconteceram trabalhos e até emprego para os deserdados da sorte. Aconteceram empresas, agriculturas de sucesso, cooperativas onde produtores e distribuidores encontraram soluções consensuais. Aconteceu habitação para todos. Aconteceu a realização de sonhos.
Estes factos ali relatados, que agora sentimos impossíveis de repetir mas que os arautos da CE, das economias e finanças modernas, das políticas dominantes não podem roubar à memória de quem os viveu! A mística histórica assim relatada, deslumbra sempre.
E o flash-back foi até à mesa onde a questão cruelmente surgiu, com cheiro a mosto do tanque pisado depois do pôr-do-sol: mas porque é que a Constituinte não aceita a democracia directa? Se nem sequer querem ouvir falar dela, como é que estão a traduzir a vontade popular?
A falta de resposta ainda permanece. Como permanece este sentir, naquela altura e igual trinta e oito anos depois, de que se vive um ambiente esquizofrénico, no mínimo bipolar, em que a parte doente, triste, depressiva é a dominante da sociedade, impondo-lhe normas e comportamentos autodestrutivos.
Aquelas realizações de sonhos eram naturalmente possíveis. Não se desistia; apenas se fazia acontecer sem olhar a esforços. A demagogia ora resgatava os resultados da revolução para os levar ao céu dos feitos heróicos, ora os reduzia a intoleráveis abusos que a sociedade tinha a obrigação de expurgar, nem que fosse a tiro. Mas havia sempre, sempre esperança.
De lá dos trabalhos dos entendidos e mais letrados, resultou aquilo que é tido como o fruto da revolução dos cravos e o resultado da vontade de um povo. A constituição. Quem sentia - e sabe! - que não é assim, que se calasse!
A demagogia, o grande perigo a que está exposta a democracia directa e participativa, passou a sair à rua só em vésperas de eleições. A vontade popular passou a ser assunto que incomoda apenas antes dos escrutínios, para logo após se ignorar como se nunca tivesse havido, qual necessidade aliviada!
A maturidade deste arremedo de democracia deu-lhe consciência da sua doença. Felizmente, criou os seus carrascos nestas gerações. O grande perigo da democracia directa são as viroses demagógicas e por isso se evitam entre campanhas para haver condições de governabilidade, dizem os oficiais representantes dos interesses do povo. Então porque não experimentamos vacinar-nos?


Leonor Vieira (Membro da Coordenação Nacional +D)
Este comentário é da exclusiva responsabilidade do seu autor.

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