domingo, 28 de julho de 2013

[Opinião +D] As crises da crise

Há uns dias ouvi uma entrevista feita a um candidato a uma autarquia, onde alguém afirmou que hoje se vive uma crise de valores. Há algum tempo que penso nisto, será que vivemos, realmente, uma época em que há uma crise de valores? Ou em períodos de crise, os valores são sempre, mais facilmente, postos à prova?

Recordei-me do romance de Victor Hugo, Os Miseráveis, um clássico de cinco volumes, publicado em 1862. Toda a gente conhece a história que se desenrola na França do século XIX, entre a Batalha de Waterloo (1815) e os motins de junho de 1832. Um retrato de época que testemunha a miséria e a pobreza em que, a maioria da população, vivia no final desse século. Um indigente, Jean Valjean, rouba um pão para se alimentar, a si e à sua família. Condenado à prisão até à morte não desiste nunca de lutar pela liberdade. Quem lê esta obra nunca condena Valjean. A noção de bem e mal que existe em cada um de nós não o permite.

É verdade que em épocas de crise financeiras e/ou económicas, outras crises tendem a surgir ou a agravar-se. Atualmente, com uma austeridade que tende a tornar-se crónica, com taxas absurdas de desemprego, com uma população cada vez mais desesperançada e, tendencialmente, deprimida, é impossível que não surjam sentimentos de medo em relação ao futuro. A emigração separa famílias e quebra laços outra hora estáveis. A insegurança aumenta. Roubos, agressões, atos ilícitos, burlas, etc tornam-se a saída mais fácil e apelativa para quem desespera lentamente e em silêncio.

Depois há os outros. Os que até agora viviam relativamente bem. Ocupavam cargos que lhes traziam rendimentos, regalias e privilégios e, muitas vezes, estes deixam-se “encantar” pelo poder. Querem mais e mais e deixam-se levar porque em simultâneo sentem um medo quase irracional de perder tudo isso. Muitas vezes são aqueles que deviam servir de exemplo, aqueles que deviam ser os primeiros a dizer não. E quando se sabe, quando se comenta em todos os jornais, rádios e televisões em vez de se demitirem e se dedicarem a provar a sua inocência, não o fazem e continuam a candidatar-se a cargos públicos e a quer mais do mesmo.

Sim, há uma crise de valores mas é bem mais profunda. Vem de trás e precisava de ser combatida por todos nós. Devíamos tornar-nos mais exigentes, mais críticos e até mais fiscalizadores com quem nos governa. Deviam ser penalizados e punidos porque afinal não roubaram um pão e não queriam apenas e tão só alimentar-se a si e à sua família.




Margarida Ladeira (Membro da Coordenação Nacional +D)
Este comentário é da exclusiva responsabilidade da sua autora

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