segunda-feira, 9 de junho de 2014

[Opinião +D] Saudação a um “anti-lusófono”

Realiza-se esta semana mais um Colóquio sobre a lusofonia – o que constitui, por si só, um bom sinal dos tempos. Não há semana que passe sem que não se multipliquem os encontros sobre a lusofonia ou de escala lusófona, como, por exemplo, os encontros lusófonos de ordens profissionais: engenheiros, médicos, etc.
Este a que me refiro e em que irei participar, apresentando o mais recente número da revista NOVA ÁGUIA, tem por título “Agostinho da Silva: o rosto da lusofonia”, o que igualmente constitui um bom sinal dos tempos: não só Agostinho da Silva não é esquecido, vinte anos já após a sua morte, como é cada vez mais recordado como um dos “rostos da lusofonia”.
Lamento apenas que, para este Encontro, não tenha sido convidado António Pinto Ribeiro (APR). Um ano após ter expressamente pretendido, nas páginas do jornal PÚBLICO, “acabar de vez com a lusofonia” (18.01.2013), volta agora à carga, com a sua estafada tese de que “a lusofonia é, por seu lado, na sua componente neocolonial e passadista, uma das formas mais arcaicas de relacionamento com o mundo na sua diversidade” (“Podemos ter presente?”, PÚBLICO, suplemento “Ípsilon”, 30.05.2014, p. 37).
Decerto, todos os presentes neste Encontro – que deveria mudar assim o título para “Agostinho da Silva: o rosto do neocolonialismo” – gostariam de ser confrontados com o “facto” de serem, no fundo, neocolonialistas, a começar por Mário Soares, um dos participantes no mesmo. É sempre bom ser revelada a verdade sobre nós próprios, por mais surpreendente que seja.
Não tendo sido APR convidado para cumprir essa tão benéfica tarefa, permitir-me-ei ser o seu porta-voz. No fundo, concordo com ele: também eu considero que “a lusofonia é uma das formas mais arcaicas de relacionamento com o mundo na sua diversidade”. Mas não, claro está, pelas mesmas razões. No “meu” dicionário, o termo “arcaico” deriva da palavra grega “arcké”, que significa “princípio”. Concluo pois assim que a lusofonia, pela importância que confere à língua, à cultura e à história, é, no nosso caso, uma das formas mais principiais (e, por isso, fundamentadas) de relacionamento com o mundo na sua diversidade.
Quanto aos demais qualificativos – “neocolonial” e “passadista” –, aí vou ter que corrigir APR. Não sendo preciso aduzir muitos argumentos.
Basta lembrar um facto: só há relação (neo)colonial quando há um (neo)colonizador e um (neo)colonizado; ora, atendendo a que (facto indesmentível) são cada vez mais os ex-colonizados os primeiros a falar de lusofonia, por vezes perante a indiferença e até a relutância dos ex-colonizadores, isso, por si só, desfaz a “tese” de APR; a menos que se argumente que há povos que gostam de ser (neo)colonizados, o que, julgo, nenhum de nós defende.
Se não for esse o caso, eu próprio convidarei APR para um Colóquio que se realizará em Cabo Verde, a 17 e 18 de Julho, onde estarei igualmente presente, para “pensar a lusofonia no século XXI”. Os cabo-verdianos,  sem dúvida, gostarão de saber que, ao falarem cada vez mais de lusofonia, estão na verdade a manifestar a vontade de serem (neo)colonizados… É de facto extraordinária a capacidade reiterada de  algumas pessoas de verem o mundo ao avesso. Há dez anos, para não recuarmos mais, muito poucos falavam de lusofonia. Há cinco anos, apenas poucos mais. Hoje, é difícil encontrar alguém que não compreenda a importância estratégica da lusofonia para o nosso futuro colectivo à escala global. Felizmente, temos APR. Saudemo-lo por isso.

Renato Epifânio (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina. 

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