segunda-feira, 16 de junho de 2014

[Opinião +D] A ilusão federalista

Caro Paulo Trigo Pereira

Decerto, devemos fomentar os mais altos sonhos, mas sem nunca tirar os  pés da realidade. O nosso comum amigo Agostinho da Silva, de saudosa memória, defendeu, por exemplo, desde a década de cinquenta, “uma Confederação dos povos de língua portuguesa” [cf. O Estado de São Paulo, 27 de Outubro de 1957]. E por isso tem sido recordado como um dos principais inspiradores da CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, por mais que esta continue muito aquém do sonho agostiniano.
Poder-se-á discutir se essa “Confederação” é ou não realizável. Para além de todos os argumentos pró e contra, há um a meu ver decisivo: não podemos dizer que ela é irrealizável pela simples mas suficiente razão de que nunca foi realmente tentada. Sendo certo que, na minha perspectiva, ainda não chegou o momento histórico para darmos esse passo, por mais que eu, enquanto Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono, o almeje.
Tudo tem o seu momento histórico. Num passado já longínquo – falo da Idade Média –, o federalismo europeu, por ti defendido num artigo recente (“Cidadania Europeia, Tratado Orçamental e política doméstica”, PÚBLICO, 11.05.2014), teria sido possível: dadas as afinidades civilizacionais, religiosas e até linguísticas entre os povos europeus de então. Admito que, num futuro ainda mais longínquo, ele volte a ser possível. No nosso horizonte histórico, parece-me cada vez mais evidente que não. E que persistir nessa ilusão só nos pode afundar ainda mais.
Repara que eu digo simplesmente que o federalismo europeu não é possível. Não que não fosse desejável – a esse respeito, nada tenho a objectar aos argumentos que aduzes, desde logo quanto às vantagens da  mutualização da dívida. Decerto, também no plano geopolítico seria desejável, pois só assim a Europa seria equiparável às grandes potências que referes: “EUA e Rússia”. Não por acaso, duas federações. No entanto, ao contrário do que defendes, o modelo americano (irei depois ao modelo russo) não é, a meu ver, minimamente transponível para a Europa.
Como bem sabes, a federação norte-americana construiu-se numa circunstância de grande homogeneidade aos mais diversos níveis – dada a hegemonia da comunidade WASP (White, Anglo-Saxon and Protestant) e a relativa paridade entre os diversos Estados. E mesmo assim no rescaldo de uma guerra civil… Hoje, com a inevitável auto-determinação de outras comunidades (refiro-me, em particular, às comunidades afro-americana e hispânica), atrevo-me a dizer que ela não seria possível de construir.
Seja como for, a unidade que, apesar de tudo, (ainda) existe nos EUA, não se encontra, de todo, na Europa, como esta crise veio evidenciar.
Manter pois essa ilusão de uma unidade europeia só nos afastará ainda mais de um caminho realista e sustentável.
Quanto ao modelo russo, que não analisas, ele só foi possível, como igualmente bem sabes, pela gigantesca hegemonia de uma das partes (a Rússia) sobre todas as outras. Na Europa, havendo uma relativa hegemonia da Alemanha, ela não é assim tão grande para que esse modelo fosse transponível. A França, desde logo, jamais o aceitaria… Em suma, devemos decerto cooperar, no âmbito europeu, aos mais diversos níveis. Nalguns planos, poderemos e deveremos até aprofundar essa cooperação. Mas abandonando de vez a ilusão federalista. Não há futuro sustentável que se possa fundar numa ilusão. Os resultados das últimas eleições europeias deveriam ser a prova final disso mesmo. Sejamos sonhadores, mas realistas.

Renato Epifânio (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina. 

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