segunda-feira, 4 de agosto de 2014

[Opinião +D] Sair da CPLP?!...

“Será que Portugal fica mais pobre do que já é, sem petróleo e sem gás, se sair da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa]? Julgo que não. Será que Portugal se sente integrado numa comunidade que decide questões de relevância sem o seu acordo? Confio que não. Será que aqui e agora Portugal não deveria assumir de pleno direito uma vocação europeia? Claro que sim.” (Julieta Almeida Rodrigues, “O retrocesso civilizacional de Portugal”, PÚBLICO, 25.07.2014) “Basta de nevoeiro!” – assim termina Julieta Almeida Rodrigues (JAR) o seu artigo onde defende, expressamente, a saída de Portugal da CPLP.
Saudemo-la pela clareza. Ao contrário de muitos outros, que, tendo denunciado, nas últimas semanas, com igual ou ainda maior veemência a recente entrada da Guiné-Equatorial na CPLP, se ficam depois pela mera denúncia, JAR é bem mais coerente e consequente, retirando a única conclusão possível dessa posição de princípio. A menos, claro está, que se defenda que Portugal deva ter alguma espécie de tutela na CPLP, sobrepondo a sua posição à vontade expressa de todos os outros membros…
Neste caso, importa recordar, foi o que sucedeu. Todos os restantes membros da CPLP defenderam o ingresso da Guiné-Equatorial. Por mais pertinentes que fossem as reservas portuguesas (e nós consideramos que, no essencial, o eram), a pergunta que se levanta é só uma: poderia Portugal opor-se interminamente à vontade expressa de todos os outros membros? A resposta só pode ser não. Daí a incoerência e, sobretudo, a inconsequência de muitas das posições expressas sobre este caso, que, de resto, nos levariam a outro tipo de reacções. Apenas um exemplo: recusamos mesmo estar numa Comunidade em que um dos membros pratica a pena de morte? Muito bem: então saiamos igualmente da NATO… E quanto à União Europeia? Se é um facto que nenhum dos seus membros pratica a pena capital, a verdade é que todas as semanas condena à morte, pelo menos por inacção, dezenas, quando não centenas, de africanos que, desesperadamente, tentam atravessar o Mediterrâneo… Ao recordarmos isto, não pretendemos banalizar o caso específico da Guiné-Equatorial. Apenas alertar quanto às (in)consequências das posições maximalistas. À luz destas, poderíamos de resto questionar a permanência na CPLP de alguns Estados, cuja diferença em relação à Guiné-Equatorial não é, infelizmente, muito significativa. E não nos referimos aqui apenas à magna questão dos direitos humanos– referimo-nos à não menor questão do uso da língua portuguesa: alguns dos países da CPLP só ainda são lusófonos de nome, porque neles só uma minoria da população fala realmente a nossa língua…
Tudo isto, porém, nos deve levar ao reforço da aposta na CPLP, ao contrário do que sustenta JAR, que chega a lamentar o nosso suposto “afastamento [em relação à Europa] durante quatro séculos de história”!
Como se não tivesse sido esse “afastamento” – ou, de forma mais precisa: esse descentramento – a, historicamente, garantir-nos a autonomia cultural e política no seio da Europa. Se isso não tivesse acontecido, Portugal seria hoje, na melhor das hipóteses, uma mera região de Espanha. No século XXI, o cenário não é substancialmente diferente: a nossa posição na Europa será tanto mais forte quanto mais fortalecidos forem os laços com os restantes países e regiões do espaço lusófono – no plano cultural, desde logo, mas também social, económico e político.
Felizmente, há cada vez mais gente a percebê-lo.

Renato Epifânio (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina. 

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