segunda-feira, 10 de março de 2014

[Opinião +D] Um mau exemplo de sectarismo ideológico


Em duas semanas consecutivas, António Guerreiro (AG) brindou-nos com dois artigos contra o que chama “cultura de direita” (Público-Ípsilon, 28.02 e 07.03). Nestes dois, visa, entre outras figuras, o poeta Manuel Alegre, “que é de esquerda, [mas] tem uma concepção da poesia e da figura do poeta nitidamente de direita”. É, pelos vistos, uma obsessão de AG – já num artigo menos recente sobre a Revista Nova Águia, de que sou fundador, escreveu: «A chamada “filosofia portuguesa” conheceu nos últimos anos alguns ressurgimentos editoriais, um dos quais é a revista Nova Águia, herdeira da Águia, que foi o órgão do movimento da Renascença Portuguesa. Apesar da sua aparente apolitia, a Nova Águia (cujo primeiro número era sobre “A Ideia de Pátria” e o mais recente tem por tema o célebre dito de Bernardo Soares: “Minha pátria é a língua portuguesa”) pode ser identificada com uma cultura de Direita. É típico da Esquerda não saber o que é a cultura da Direita, até para evitar o embaraço de verificar o quanto está impregnada dela (por exemplo, a poesia portuguesa mais próxima da cultura de Direita é a de Manuel Alegre).» (Expresso-Actual, 30.04.2011).
Face aos argumentos e exemplos aduzidos, não podemos deixar de expressar a nossa perplexidade. Se AG pretende apresentar, entre nós, um exemplo de um “poeta como vate comparável ao Dichter de Stefan George” não se percebe porque dá o exemplo de Manuel Alegre, havendo tantos exemplos maiores que poderia dar: a começar por Teixeira de Pascoaes, fundador da revista A Águia, em que a Nova Águia se inspira. E daí talvez se perceba: se AG desse o exemplo de Pascoaes, não se poderia continuar a circunscrever ao sectarismo ideológico esquerda-direita que tanto o obceca, pela simples mas suficiente razão de que Pascoaes está muito para além desse sectarismo. Ele, simplesmente, faz implodir essas grelhas, sendo, assim, tão redutor qualificá-lo como um poeta de “esquerda” ou de “direita”. A menos, claro está, que se considere que basta alguém falar de “Pátria” para poder ser qualificado como representante da “cultura de direita” – tese que não resiste a um mínimo de cultura histórica.






Renato Epifânio (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina.

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