terça-feira, 9 de junho de 2015

[Opinião +D] Uma Biografia de Agostinho da Silva (II)

Mas regressemos a este colossal livro, não tanto pelo seu tamanho (mais de setecentas páginas), como, sobretudo, pela sua ousadia: fazer uma Biografia de Agostinho da Silva. Sabemos bem que esta era uma tarefa tão desejada por muitos quanto ciclópica, dados os muitos “buracos negros” 
que existiam na vida de Agostinho da Silva. António Cândido Franco, desde já o dizemos, não traz à luz todos esses “buracos negros”. Mas conseguiu realizar uma obra que merece, na íntegra, esse subtítulo: “Uma Biografia de Agostinho da Silva”. E sublinhamos aqui o artigo, que parece ter escapado a alguns comentadores mais apressados: trata-se aqui de “Uma Biografia de Agostinho da Silva”, não de “A Biografia de Agostinho da Silva”.
Isso é desde logo relevante porque toda esta Biografia se desenvolve a partir de uma perspectiva: a de António Cândido Franco, necessariamente. 
Assim, tal como o próprio Agostinho da Silva nos deu, numa das suas mais conhecidas obras, “Um Fernando Pessoa” e não “O Fernando Pessoa”, assim também António Cândido Franco” nos dá “Um Agostinho da Silva” e não “O Agostinho da Silva”. Tanto mais porque, ao longo da obra, António Cândido Franco parece-nos enaltecer mais as dimensões da vida e obra de Agostinho da Silva em que mais se reconhece – e ao dizermos isto não estamos a fazer, como alguns poderão pensar, um juízo negativo.
Temos aqui bem presente a lição daquele cuja obra, a par de Agostinho da Silva, mais estudámos no âmbito do pensamento português contemporâneo – falamos de José Marinho. Escreveu ele que “quando expomos um pensador devemos dar toda a força ao seu pensamento” – defendendo ainda, citando Schopenhauer, “tal atitude é, em relação a eles, a mais adequada e é, para o nosso próprio pensamento, a mais proveitosa”. Ou seja: António Cândido Franco, ao ter – como escrevemos – enaltecido mais as dimensões da vida e obra de Agostinho da Silva em que mais se reconhece, procurou dar (e bem) “toda a força ao pensamento” agostiniano. Nós, decerto, faríamos diferente – mas com o mesmo objectivo. Também nós, com efeito, tendemos a enaltecer mais as dimensões da vida e obra de Agostinho da Silva em que mais nos reconhecemos.
O retrato que António Cândido Franco nos dá de Agostinho da Silva é pois um seu retrato, mas é, inequivocamente, um retrato verdadeiro. 
Verdadeiro e generoso: mesmo que algumas passagens possam não agradar a alguns gostos mais conservadores (e isso chegou a acontecer connosco – não temos qualquer complexo em assumi-lo), António Cândido Franco procurou sempre aquele que seria, na sua perspectiva, o melhor ângulo, o ângulo mais favorável ao retratado, mesmo quando não escamoteia as dimensões mais chãs de qualquer existência humana. Em todas essas dimensões, foi, com efeito, Agostinho da Silva um homem maximamente viril, maximamente enérgico. Um colosso, numa palavra. Só acrescentaríamos “estranhíssimo” porque, nos nossos tempos, homens assim são cada vez mais raros. Verdadeiramente, Agostinho da Silva não foi um homem do nosso tempo.

Post Scriptum – No dia 10 de Junho, às 18h, no Espaço Arte Europa-América (Av. Marquês de Tomar, 1b, em Lisboa, junto ao Saldanha), iremos lançar a nossa mais recente obra: “A Via Lusófona II”, com prefácio de Adriano Moreira e apresentação de Mendo Castro Henriques. 
Fica o convite.

Renato Epifânio (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina. 

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