quarta-feira, 6 de novembro de 2013

[Opinião +D] Vinte Reflexões sobre a Crise da Partidocracia

1. A sucessão de crises económicas que se abateu (quase sem interrupção) sobre Portugal desde meados da década de 70 induziu a uma camada maioritária da população a crer que a ação da política e dos partidos ou é inepta ou inconsequente.

2. Todos os partidos (exceto, talvez, o PCP) perderam carga ideológica e uma vocação ativista, para se tornarem em máquinas construidas para vencerem eleições. Os seus objetivos mudaram: em vez de mudarem o mundo ou o país, focam-se na ocupação de cargos e em jobs for the boys, funcionalizam-se e tornam-se em corporações e agências de emprego de grande escala e não mais em genuínos instrumentos de cidadania e expressão cívica.

3. Os partidos do tripartido (PS-PSD-PP) são hoje muito "pragmáticos", isto é aceitam todos os meios para alcançarem certos fins, sejam estes o reconhecimento dos seus Pares europeus, os favores da Banca ou dos Especuladores.

4. O Voto Útil, de muitos cidadãos, e um certo conservadorismo acéfalo no voto levou a que os partidos colocassem ao centro as suas propostas e políticas, esvaziando as periferias do pensamento político, quer à esquerda, quer à direita. Ao centrarem-se ao centro, os partidos do tripartido tornaram-se numa mole indistinta, com excepção de rostos, estilos e siglas partidárias.

5. O advento da Globalização Neoliberal dez aumentar as assimetrias económicas e sociais ao mesmo tempo que intensificava o Individualismo e enfraquecia o sentimento de pertença a uma comunidade, seja ela local ou política.

6. A baixa de rendimentos tornou a sobrevivência na prioridade absoluta em nome do qual tudo se sacrifica, nomeadamente a pertença num partido político ou uma vida cívica mais ativa.

7. O fracasso da aplicação do Marxismo no Leste europeu, destruiu aos olhos de muitos a credibilidade da política, enquanto causa utópica e de fundo social e ideológico. Muitos dos desiludidos do comunismo - depois da década de 90 - nunca mais tornaram a ter atividade política.

8. O abismo entre as promessas eleitorais e a sua execução (comum a todos os "partidos de poder") descredibiliza os partidos que as fazem e todo o sistema político-partidário.

9. A crescente importância do exterior (FMI, Europa, Globalização, etc) nas decisões políticas nacionais deu evidência à crescente irrelevância local dos Partidos Políticos "do Sistema" (isto é, daqueles mais profundamente entranhados no projeto europeu e nos modelos neoliberais de economia). As decisões políticas nacionais são assim cada vez mais transposições locais de normas e diretivas exteriores e cada vez menos a direta expressão da vontade popular
 democraticamente consagrada em eleições.

10. Uma certa inclinação para regimes autoritários, austeros e conservadores (cujos tiques se observam em Louçã, Cavaco e Passos) e o "sucesso" económico de regimes autoritários como o chinês ou as derivas autoritárias atualmente observáveis nos EUA com redes de vigilância cada vez mais extensas e profundas.

11. O "Rotativismo Democrático" entre PS e PSD, ao longo de décadas sucessivas, com os resultados que hoje são patentes, várias alianças implícitas ou explícitas descredibilizaram a política e os partidos do dito "arco da governação".

12. A corrupção impune e generalizada, assim como uma perigosa proximidade com os Grandes Interesses económicos instalaram-se de forma muito profunda nos Partidos da Situação em Portugal, com o consequente descrédito que daí tem que advir.

13. Uma sucessão de maus líderes, desconexos, incultos e pouco ambiciosos, formados dentro dos partidos e a partir das juventudes partidárias, com nenhuma ou escassa experiência prática ou
empresarial, reduziu a credibilidade pública dos partidos que dirigem.

14. O pensamento político, original ou inovador produzido no seio dos partidos políticos é praticamente inexistente ou de muito baixa qualidade.

15. Os partidos fecharam-se à sociedade civil e aos cidadãos que não cumpram todas as carreiras políticas a partir das militâncias profissionais ou semi-profissionais nas juventudes partidárias.
Internamente, nas suas reuniões e encontros regulares, apenas conseguem congregar umas poucas dezenas de militantes. Nas campanhas dependem fortemente de "militantes" pagos ao dia ou de empresas de marketing político, assumindo assim as campanhas mais um aspeto empresarial e menos o aspecto ideológico e de convicções que devia ser o seu.

16. Os partidos estão transformados em albergues de profissionais da política, muitos dos quais de grande mediocridade inteletual ou profissional e - quase sempre - sem sentido de Estado ou noção de
Dever Público. A progressão no seu seio resulta muito mais da sua capacidade para negociarem apoios internos e de captarem financiamentos do que de critérios de Ética, Esforço ou Capacidade.

17. Os aparelhos partidários são cada vez mais extensos e caros, cheios de redes clientelares, vivendo em torno de subvenções, avenças e cargos em empresas públicas ou em empresas com contratos com o
Estado.

18. O Mediatismo tornou-se na prioridade número um, dois e três, dos partidos. Todo o discurso, em conteúdo e tempo, é orientado para um impacto mediático de primeiro plano, especialmente nas televisões. Nada está fora de alcance, e os partidos enviam regularmente os seus membros para papéis de "comentadores profissionais" nos vários canais, desde o futebol (ideal para vender a imagem de um novo política), passando pelo mais clássico comentário político ou uma presença num talkshow.

19. Sendo a advocacia a profissão mais comum aos deputados da Assembleia existe uma densa teia (muito lucrativa) de pareceres, assessoria e consultoria entre grandes escritórios de advogados e o
tripartido, com grave prejuízo para os interesses nacionais e contribuindo (pela vertente pública desta teia), para a perda de credibilidade e confiança no sistema político-partidário.

20. A manutenção de campanhas eleitorais altamente despesistas ou os custos exagerados de gabinetes em assessores, veículos topo-de-gama ou nos gastos pornográficos da Presidência da República, em momento de Bancarrota exibem um afastamento notório entre o Mundo Real (onde vivem os cidadãos) e o Mundo dos Partidos (com emprego e rendimentos protegidos) e subvenções vitalícias. Estes custos de funcionamento, assim como os elevados custos das campanhas eleitorais, levam a uma busca constante de fontes de financiamento que convidam à erupção de fenómenos de corrupção, especialmente no meio autárquico e que urge resolver impondo limites apertados aos custos máximos das campanhas eleitorais.




Rui Martins (membro da Coordenação Nacional do +D)

Os textos de opinião aqui publicados, se bem que da autoria de membros dos órgãos do +D, traduzem somente as posições pessoais de quem os assina.


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